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10 fevereiro, 2008

HOJE É DOMINGO E O CRUZEIRO VAI JOGAR


Meus amigos, meus inimigos, é grave dizer que hoje é domingo. Mas é um domingo especial.

Tem jogo do Cruzeiro. Domingo com jogo do Cruzeiro é sempre um domingo especial.

Domingo tem o franguinho da mamãe, tem macarrão, tem maionese, tem churrasco – na laje, no clube, na varanda do prédio, na big sofisticada cozinha do condomínio, na churrasqueira improvisada – tem cerveja e coca-cola, tem sorvete e gelatina, tem Silvio Santos e Fantástico... Todo domingo é assim. Mas domingo com jogo do Cruzeiro é diferente.

A gente já acorda feliz. Já acorda com o coração na boca. Procura uma camisa azul, coloca a bandeira na janela e fica esperando... Anda pra lá, volta pra cá, vai lá na rua, conversa com um, vai ao supermercado, vai na padaria, assiste um pouco de tv, lê jornal, lê um bom livro... É preciso fazer o tempo passar. Domingo com jogo do Cruzeiro é domingo que se arrasta nos ponteiros do relógio. Tudo fica demorado demais até chegar a hora. O vento fica sossegado até a hora do jogo, balança as folhas das árvores, entra pela janela, mas sempre sossegado, tranqüilo e sereno. Tudo fica em suspense até chegar a hora. Os próprios sons, os sons ficam diferentes: uns não fazem sentido, as falas das pessoas parecem desconexas, os carros que passam na rua deixam no ar um rumor de espera, pássaros que cantam parecem saber que há algo por acontecer, algo maior, algo que mudará o ritmo da natureza dominical. O Cruzeiro jogar muda o domingo. O Cruzeiro jogar muda tudo.

Ver as onze camisas azuis se destacando do verde do gramado provoca uma sensação inigualável. O sentimento épico de que uma batalha irá começar e nós, os cruzeirenses, sairemos dela mais convictos ainda da nossa paixão cega e transcendental. Nos transformamos em guerreiros cujos gritos e gestos enfrentam gigantes invisíveis, espantam espíritos malévolos que descem com suas asas negras sobre o reino do azul. Somos guerreiros cujos gritos e urros espantam as inexistentes bruxas borgianas de volta para o submundo do sem cor, onde tudo é pálido e escuro, onde só há a treva negra e a névoa branca; o dantesco círculo do sem sentido, do não-amor, o infernal submundo de onde as cores foram para sempre seqüestradas.

Os cruzeirenses nos transformamos em guerreiros em cujas mãos repousam o poder capaz de manter os planetas em suas órbitas, os satélites presos à gravitação, os sistemas planetários em seu equilíbrio perfeito, as galáxias tempestuosas em seu vôo sereno pela imensidão do Nada... Somos nós os cruzeirenses que mantemos as estrelas seguras no céu, o firmamento eternamente assentado sobre o escuro e o vazio.

Os cruzeirenses nos transformamos em guerreiros épicos e lutamos contra lestrigões e ciclopes e gigantes de terra e megeras de fogo e minotauros bufantes e dragões enlouquecidos. Nós, os cruzeirenses, somos, cada um, um Dom Quixote investido do sonho de mudar o mundo, torná-lo para sempre azul e coberto de estrelas. O Amor é nosso fiel escudeiro, nosso inseparável Sancho – o Amor, este atrapalhado escudeiro que carregamos dentro do peito. O Sonho é o nosso cavalo, o Rocinante em que montamos e, uma vez montados sobre seu pêlo fugidio, a cujo galope entregamos nosso destino... Leve-nos para onde quiser, Sonho/Rocinante, embale nossos corpos de guerreiros cansados em seu trote, e nós iremos sem questionar o rumo porque sabemos que nos levas sempre em direção a ela, a desejada Dulcinéia.

Ah! Dulcinéia! Dulcinéia! És uma mulher azul, uma mulher que tem o corpo coberto de estrelas brancas e de cujos olhos emana a luz serena que nos acalma. Uma luz que é sedutora quando as vitórias são o glorioso despojo das batalhas; uma luz que é materna quando as derrotas nos deixam o corpo ferido e o coração sangrando; uma luz que é irmã e amiga quando a guerra se acalma e aos guerreiros é devolvida a serenidade do descanso... Ah! Dulcinéia! Dulcinéia! És a mulher azul que encontramos ao final de cada batalha – vencida ou perdida, não importa –, de cada batalha desta interminável guerra chamada vida, onde seguiremos lutando até o fim dos tempos, até o dia em que se ‘abrirem as portas do futuro’, até o instante da travessia.

Hoje é domingo e o Cruzeiro vai jogar. Hoje – reparem agora olhando pela janela – há faunos escondidos nas dobras do dia e eles aguardam o momento exato para retirar da carne do tempo aquelas duas horas mágicas que viveremos. Porque as horas em que o Cruzeiro joga são horas míticas, são horas místicas, são o Aleph e não pertencem ao tempo, não cabem na moldura dos relógios. Porque hoje, meus amigos, meus inimigos, hoje é domingo.

Hoje é domingo. E o Cruzeiro vai jogar!

2 comentários:

Joubert Amaral disse...

Lindo texto, meu caro amigo de pequena estatura.

Mas infelizmente tenho que lhe corrigir.

Não são mais apenas os domingos, mas as quartas de libertadores são ainda mais especiais.

Parabéns pelo belo trabalho no blog.

Do amigo

Joubert Amaral

l disse...

odeio domingos.
adoro sábados.