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07 fevereiro, 2008

UM ALMOÇO

Confesso. Fui eu quem envenenei todos eles. Distribuí delicadamente o pó sobre o assado que preparara para nosso almoço e esperei que o delicado aroma de vinho que ele exalava obscurecesse completamente qualquer perfume indesejado. Eu mesmo levei a travessa para a mesa. Enquanto todos mastigavam tranqüilamente os pequenos bocados que levavam à boca (a contração do maxilar fazia com que os músculos de cada uma daquelas faces amigas - e algumas até amadas - se contraíssem e se distendessem num ritmo bovino), eu falava de um filme antigo ou da página de um livro, lido há muitos anos. Nos intervalos da mastigação eles soltavam comentários. Elogiavam o sabor agridoce da carne. Nenhum deles suspeitava que era um pedaço do meu corpo que eles devoravam. Nenhum deles suspeitava do veneno. Comiam - os mais afoitos suavam e tinham que se enxugar com o lenço branco colocado ao lado de seu prato. Comiam e ingeriam doses letais de meu corpo. Não me lembro mais que parte de mim lhes foi servida. Quando foram embora, eu retornei à cozinha. O fogão, a pia e os ladrilhos estavam cobertos de grandes manchas vermelhas. Sangue? Então meu próprio sangue caíra sem que eu percebesse? Molhei a ponta do dedo e provei. Era apenas molho de tomate.

Ninguém jamais suspeitou de mim. Ao contrário, meus almoços continuam concorridos. Há sempre um lugar vago em minha mesa. Aos que desejam saborear um de meus pratos, eu jamais recuso um convite.

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