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28 abril, 2008

LITERATURA

Como não foi possível imprimir cópias suficientes do cordel A PELEJA DOS POETAS CONTRA A FESTA DO BEZERRO, para o lançamento do Barkaça/3, resolvi colocar o texto integral aqui. Se algum dos cinco leitores desse blog se interessar e quiser receber o livro já formatado para impressão, é só pedir que eu envio em forma de imagem. Mais para frente pretendo fazer os livros impressos.

(capa - clique aqui para ampliar imagem)


A PELEJA DOS POETAS CONTRA A FESTA DO BEZERRO

Cordel de Juvenal (Bernardes)

A história que vou contar

Ora a vossas senhorias

É igual a tantas outras

Que encerram sabedorias:

É a do pobre contra o rico,

De David contra Golias,


É a história do duelo

De um pequeno contra um forte.

Viram-se um dia em combate

(quis o destino e a sorte)

O Exército dos Poetas

E um gigante de porte.


Foi na cidade Divina

Onde tudo aconteceu.

Esta cidade mineira,

Pra quem não sabe, nasceu

Graças a um tal Candidés

Que por lá apareceu.


A tal Divina cidade,

Cujo título inconteste,

Merecido e já famoso

É “Princesinha do Oeste”,

Estava então dominada

Por uma terrível peste:


Todo ano aparecia

Com estrondoso barulho

Vindos do fundo do inferno

Uns vendedores de entulho

– De um entulho perigoso

Pois que enfeitado em embrulho.


O entulho que se vendia

Era uma coisa esquisita:

Um passaporte pra festa!

(Em festa que necessita

De passaporte eu não vou

– É coisa que se admita?!


Passaporte a gente usa

É pra sair do país

E conhecer o estrangeiro.

O meu, que ainda não fiz,

Não vai ser pra ir em festa;

Vai ser pra Londres, Paris).


Pois foi por causa do evento

Que se deu esta peleja:

Era uma festa embalada

Por música sertaneja,

Mas da pior qualidade

Que o gosto de alguém eleja.


A festa ficou famosa

Conhecida em todo canto

Como “Festa da Cerveja”.

Há um erro, no entanto;

Uma falha tão grosseira

Que chega a causar espanto.


Todos sabem que a cerveja

É a bebida dos sonhos

Do brasileiro comum.

Seria certo, suponho,

Que ela fosse a estrela

Da festa à qual me oponho.


Ou seja: que a cerveja

Recebesse uma atenção

Digna de uma rainha.

Que fizessem exposição

Das marcas mais importantes;

Que houvesse degustação;


Que contassem sua história,

A trajetória no tempo,

Sua importância pro homem;

Que se fizesse um opulento

Museu da cerveja aqui;

Que abrilhantassem o evento!


A cerveja é uma bebida

De um apelo medonho:

Podia ser explorada

Culturalmente, proponho;

Mas na Festa da Cerveja

O seu papel é bisonho.


Deixemos de digressões

Voltemos à vaca fria:

Nesta festa, a cerveja

Era mera fantasia.

Mais importante era a grana

Que o evento rendia.


A música sertaneja

Não dominava sozinha

O cenário dessa festa.

O axé “miusique” também vinha

Pra fazer o seu estrago

Gritando “Aê!” e “Bundinha!”


Pra não dizer que é injustiça

Dou a mão à palmatória:

Também vinha coisa boa,

Música até meritória

De elogios e aplausos

Feita por gente notória.


Mas, na fritada dos ovos,

No resumo da fatura,

A festa era um mega-evento

De uma tremenda chatura.

Era um troféu ao mau-gosto

Um elogio à incultura.


A festa juntava gente

De toda parte do mundo

Vinham, bebiam e comiam,

Deixavam tudo imundo.

E mijavam em todo canto

Tornando o ar nauseabundo.


Era um mijo tão fedido

Que a gente ficava tonto

De respirar tanta amônia.

Mas não era este o ponto

Que incomodava os poetas

E os levou ao confronto.


O problema é que essa festa

Era um tributo ao consumo

De tudo que é porcaria;

Daquilo que afeta o prumo

Da cultura de um povo

E o põe a vagar sem rumo.


Um povo que se acostuma

Ao consumo industrial

Engole tudo que é imposto

Pela indústria cultural.

Perde a massa encefálica

Não julga o que é bom ou mau.


Um povo assim vira presa

De sua própria ignorância.

E por não ter senso crítico

Não sabe dar importância

Ao que é da sua cultura,

Ou seja, ao que dá sustância


A sua própria identidade,

Ao que torna ele um povo

Diferente dos demais;

Aquilo que é o seu ovo,

Que está em sua raiz:

O antigo que é sempre novo.


Os poetas se invocaram

Com essa festa cabulosa

E a cultural pasmaceira

Que se tornava horrorosa.

Resolveram então fazer

Um coisa audaciosa:


Construíram uma BARKAÇA

Pra enfrentar o inimigo

Armaram-se com seus versos,

Como se fossem abrigo

“Contra as falanges do mal”[1],

Dizendo: “Agora brigo!”


E o “brigo” desses poetas

Era contra duro ferro:

Um esquema bem montado

Feito pra ganhar no berro;

Era contra a poderosa

Empresa do Grão Bezerro.


A empresa do Bezerro,

Gigante do Armagedom,

Armava-se até os dentes

Com grandes carros de som

Que anunciavam a festa

Do Bezerro Ponto Com.


(É preciso explicar

O que o “Ponto Com” enseja:

É sobrenome internético

Criado por quem planeja

O marquetingue da empresa

E da Festa da Cerveja).


Como em toda briga boa

Essa também juntou gente

Torcendo pr’um dos dois lados

E empurrando pra frente

Encorajando os brigões

Pra que ficassem bem rente.


Mas a peleja minguou

Não rolou gota de sangue

Em briga que tem poeta

Não se faz um bangue-bangue

Por favor, não se aborreça

Não fique triste ou se zangue


Se este cordel não tem fim

É cordel de alma palhaça

A festança do Bezerro

Continua lá, sem graça

E os poetas, com seus versos

Nos brindam com o BARKAÇA.

Fim



[1] Aldir Blanc/Joao Bosco, in: A caca à raposa.


10 comentários:

Anônimo disse...

Ei Nanal! Adorei o blog e principalmente o texto sobre a "melhor festa" da "Princesinha do Oeste" rsr. Abração!!!!

João Gilberto disse...

Nanau, continuas sendo um poeta genial.
Beijos e vida longa a Barkaça.
Adriana.

Anônimo disse...

Eu tamb�m quero uma c�pia!!!
Parab�ns Nanal, ficou legal demais!!!
david

Anônimo disse...

Puts! Nanal, muito bacana! Quero um livreto também!
fomos e vamos os poetas e amantes das letras nesta (b)arca de Noé (Lopes...rs) enfrentando o dilúvio de mijo da Festa, hehehe.
MINGAU

Cheyenne Xavier disse...

Muuuuuito legal o Cordel. Critico e irônico, porém divertido tb....
Até as rimas são boas.... heheheh
manda pra mim a imagem da capa, tentei salvar, não dei conta (1x0 pro PC)
bjus
Chay
P.S.- o proximo sarau será chez moi

Cheyenne Xavier disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Nanaaaaal, ameiiiiiiiiiiiiiiiiiii que isso!!!!!!!!!!!!!!

Ahahahhahahahhahaha! Muito bom messsmo.

Anônimo disse...

Perfeita a sátira sobre a fenacer... se puder vou coopiar e mandar para secretária do bezerro...
e bom também foi a idéia de se lançar o barkaça no mesmo dia...tenho esperanças de ver a juventude divinopolitana voltada para poesia, mesmo que estejam estes eventos concorrendo com festas tão populares. è melhor a festa quando agrada a cabeça!!!!!
Taty

NANAL BATATINHA disse...

Oi, Taty:

Pode copiar. Em breve, quando a preguiça perder a guerra, vou levar a uma gráfica pra fazer o livreto no papel. É mais charmoso e eu vou ficar me sentindo igual àqueles poetas de cordel nordestinos. Chique, né? Pois é.

Beijos, Taty.

Aliás... quem é Taty?

zeba disse...

Pois veja o senhor que os poetas

na peleja contra o gigante

nunca erraram seu cálculo

que poesia é diamante

a quem não tem olhos pra ver

impossível dizer: - avante!


Belíssimo cordel, cabôco.
Digno de publicação!
Abraço.

Vida longa aos poetas!