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A PELEJA DOS POETAS CONTRA A FESTA DO BEZERRO
Cordel de Juvenal (Bernardes)
A história que vou contar
Ora a vossas senhorias
É igual a tantas outras
Que encerram sabedorias:
É a do pobre contra o rico,
De David contra Golias,
É a história do duelo
De um pequeno contra um forte.
Viram-se um dia em combate
(quis o destino e a sorte)
O Exército dos Poetas
E um gigante de porte.
Foi na cidade Divina
Onde tudo aconteceu.
Esta cidade mineira,
Pra quem não sabe, nasceu
Graças a um tal Candidés
Que por lá apareceu.
A tal Divina cidade,
Cujo título inconteste,
Merecido e já famoso
É “Princesinha do Oeste”,
Estava então dominada
Por uma terrível peste:
Todo ano aparecia
Com estrondoso barulho
Vindos do fundo do inferno
Uns vendedores de entulho
– De um entulho perigoso
Pois que enfeitado em embrulho.
O entulho que se vendia
Era uma coisa esquisita:
Um passaporte pra festa!
(Em festa que necessita
De passaporte eu não vou
– É coisa que se admita?!
Passaporte a gente usa
É pra sair do país
E conhecer o estrangeiro.
O meu, que ainda não fiz,
Não vai ser pra ir em festa;
Vai ser pra Londres, Paris).
Pois foi por causa do evento
Que se deu esta peleja:
Era uma festa embalada
Por música sertaneja,
Mas da pior qualidade
Que o gosto de alguém eleja.
A festa ficou famosa
Conhecida em todo canto
Como “Festa da Cerveja”.
Há um erro, no entanto;
Uma falha tão grosseira
Que chega a causar espanto.
Todos sabem que a cerveja
É a bebida dos sonhos
Do brasileiro comum.
Seria certo, suponho,
Que ela fosse a estrela
Da festa à qual me oponho.
Ou seja: que a cerveja
Recebesse uma atenção
Digna de uma rainha.
Que fizessem exposição
Das marcas mais importantes;
Que houvesse degustação;
Que contassem sua história,
A trajetória no tempo,
Sua importância pro homem;
Que se fizesse um opulento
Museu da cerveja aqui;
Que abrilhantassem o evento!
A cerveja é uma bebida
De um apelo medonho:
Podia ser explorada
Culturalmente, proponho;
Mas na Festa da Cerveja
O seu papel é bisonho.
Deixemos de digressões
Voltemos à vaca fria:
Nesta festa, a cerveja
Era mera fantasia.
Mais importante era a grana
Que o evento rendia.
A música sertaneja
Não dominava sozinha
O cenário dessa festa.
O axé “miusique” também vinha
Pra fazer o seu estrago
Gritando “Aê!” e “Bundinha!”
Pra não dizer que é injustiça
Dou a mão à palmatória:
Também vinha coisa boa,
Música até meritória
De elogios e aplausos
Feita por gente notória.
Mas, na fritada dos ovos,
No resumo da fatura,
A festa era um mega-evento
De uma tremenda chatura.
Era um troféu ao mau-gosto
Um elogio à incultura.
A festa juntava gente
De toda parte do mundo
Vinham, bebiam e comiam,
Deixavam tudo imundo.
E mijavam em todo canto
Tornando o ar nauseabundo.
Era um mijo tão fedido
Que a gente ficava tonto
De respirar tanta amônia.
Mas não era este o ponto
Que incomodava os poetas
E os levou ao confronto.
O problema é que essa festa
Era um tributo ao consumo
De tudo que é porcaria;
Daquilo que afeta o prumo
Da cultura de um povo
E o põe a vagar sem rumo.
Um povo que se acostuma
Ao consumo industrial
Engole tudo que é imposto
Pela indústria cultural.
Perde a massa encefálica
Não julga o que é bom ou mau.
Um povo assim vira presa
De sua própria ignorância.
E por não ter senso crítico
Não sabe dar importância
Ao que é da sua cultura,
Ou seja, ao que dá sustância
A sua própria identidade,
Ao que torna ele um povo
Diferente dos demais;
Aquilo que é o seu ovo,
Que está em sua raiz:
O antigo que é sempre novo.
Os poetas se invocaram
Com essa festa cabulosa
E a cultural pasmaceira
Que se tornava horrorosa.
Resolveram então fazer
Um coisa audaciosa:
Construíram uma BARKAÇA
Pra enfrentar o inimigo
Armaram-se com seus versos,
Como se fossem abrigo
“Contra as falanges do mal”[1],
Dizendo: “Agora brigo!”
E o “brigo” desses poetas
Era contra duro ferro:
Um esquema bem montado
Feito pra ganhar no berro;
Era contra a poderosa
Empresa do Grão Bezerro.
A empresa do Bezerro,
Gigante do Armagedom,
Armava-se até os dentes
Com grandes carros de som
Que anunciavam a festa
Do Bezerro Ponto Com.
(É preciso explicar
O que o “Ponto Com” enseja:
É sobrenome internético
Criado por quem planeja
O marquetingue da empresa
E da Festa da Cerveja).
Como em toda briga boa
Essa também juntou gente
Torcendo pr’um dos dois lados
E empurrando pra frente
Encorajando os brigões
Pra que ficassem bem rente.
Mas a peleja minguou
Não rolou gota de sangue
Em briga que tem poeta
Não se faz um bangue-bangue
Por favor, não se aborreça
Não fique triste ou se zangue
Se este cordel não tem fim
É cordel de alma palhaça
A festança do Bezerro
Continua lá, sem graça
E os poetas, com seus versos
Nos brindam com o BARKAÇA.
Fim
10 comentários:
Ei Nanal! Adorei o blog e principalmente o texto sobre a "melhor festa" da "Princesinha do Oeste" rsr. Abração!!!!
Nanau, continuas sendo um poeta genial.
Beijos e vida longa a Barkaça.
Adriana.
Eu tamb�m quero uma c�pia!!!
Parab�ns Nanal, ficou legal demais!!!
david
Puts! Nanal, muito bacana! Quero um livreto também!
fomos e vamos os poetas e amantes das letras nesta (b)arca de Noé (Lopes...rs) enfrentando o dilúvio de mijo da Festa, hehehe.
MINGAU
Muuuuuito legal o Cordel. Critico e irônico, porém divertido tb....
Até as rimas são boas.... heheheh
manda pra mim a imagem da capa, tentei salvar, não dei conta (1x0 pro PC)
bjus
Chay
P.S.- o proximo sarau será chez moi
Nanaaaaal, ameiiiiiiiiiiiiiiiiiii que isso!!!!!!!!!!!!!!
Ahahahhahahahhahaha! Muito bom messsmo.
Perfeita a sátira sobre a fenacer... se puder vou coopiar e mandar para secretária do bezerro...
e bom também foi a idéia de se lançar o barkaça no mesmo dia...tenho esperanças de ver a juventude divinopolitana voltada para poesia, mesmo que estejam estes eventos concorrendo com festas tão populares. è melhor a festa quando agrada a cabeça!!!!!
Taty
Oi, Taty:
Pode copiar. Em breve, quando a preguiça perder a guerra, vou levar a uma gráfica pra fazer o livreto no papel. É mais charmoso e eu vou ficar me sentindo igual àqueles poetas de cordel nordestinos. Chique, né? Pois é.
Beijos, Taty.
Aliás... quem é Taty?
Pois veja o senhor que os poetas
na peleja contra o gigante
nunca erraram seu cálculo
que poesia é diamante
a quem não tem olhos pra ver
impossível dizer: - avante!
Belíssimo cordel, cabôco.
Digno de publicação!
Abraço.
Vida longa aos poetas!
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