24 abril, 2008
21 abril, 2008
20 abril, 2008
CULTURA
Projeto simples divulga literatura divinopolitana de forma criatividade e divertida
É cada vez mais difícil fazer os jovens se interessarem por literatura. A concorrência com celulares, ipods, orkuts e blogs transforma o livro em objeto obsoleto, completamente estranho ao universo cultural da turminha que vai à escola. Claro, não generalizemos. Há muita gente lendo e lendo coisa boa, com conteúdo.
Mas também há muita gente que nunca pegou num livro.
Se já é assim com a literatura canônica, com a literatura que, lida ou não, acaba circulando e sendo comentada aqui e ali (é difícil encontrar alguém que nunca tenha ouvido falar de Drummond, Clarice Lispector ou Vinícius de Moraes, mesmo entre os não leitores), o que dizer de autores restritos aos limites de uma cidade, os “poetas municipais”. São, fora de seu grupo, anônimos.
Muita gente se assusta quando descobre que em Divinópolis há poetas além de Adélia Prado, inclusive com vários livros já publicados e impressos. Mas por que esses poetas não são conhecidos? Ora, porque não têm contrato com uma grande editora, porque seus livros não atingem um grande público (ou melhor: um “público grande”), porque seus nomes não circulam além dos limites estritamente literários – quaisquer que eles sejam –, porque “é assim que as coisas são, só isso”.
Para vencer essa barreira imposta pelas (diversas e estranhas) circunstâncias, uma iniciativa muito criativa vai levar a literatura divinopolitana para a sala de aula e permitir que os alunos entrem em contato com autores, textos, obras, biografias e dados históricos da literatura produzida em Divinópolis. Trata-se do projeto “Caça-palavras da Literatura Divinopolitana” que já circula por aí, divulgando de maneira lúdica curiosidades das nossas letras.
A idéia é bem simples – como toda grande idéia. Através de um passatempo conhecido de todos (o caça-palavras), são divulgadas informações bioblibliográficas de escritores nascidos e/ou residentes nessas divinas plagas. O 1º fascículo (o projeto é lançar 3) apresenta escritores que publicaram textos próprios assiduamente, em jornais e livros, antes da fundação da Academia Divinopolitana de Letras (1961). Lá estão Ataliba Lago, Celeste Brandão, Jadir Vilela, José Maria Campos, Pedro X. Gontijo, Sebastião Bemfica Milagre, entre outros.
Auto-explicativo, o fascículo apresenta orientações claras para o uso didático dos jogos. Os professores interessados podem fazer quantas cópias quiserem, desde que respeitem a autoria dos textos e dos caça-palavras. Quem quiser ter acesso aos originais do fascículo 1, deve enviar um pedido por escrito, acompanhado de um CD virgem, para o seguinte endereço:
RUA AFRÂNIO PEIXOTO, 1774, SÃO JUDAS TADEU / 35.5001-204 – DIVINÓPOLIS/MG
Além da qualidade da pesquisa e do cuidado na produção das informações literárias, chama atenção a qualidade do material. Um projeto gráfico divertido, lúdico, didático e organizado, bem editado e revisado, gostoso de manusear, apresentado num porta-fascículos e três exemplares do nº 1. Tudo em papel reciclado. Coisa de primeira.
Parabéns à equipe responsável pelos Caça-palavras, que a gente apresenta aqui porque é gente interessada em fazer cultura em Divinópolis.
Carlos Antônio LOPES Corrêa, HÉRICA EUSTÁQUIA do Carmo, SÁVIO Eugênio ANDRADE, diOli (David Willian de Oliveira), MINGAU (Luís Antônio Teixeira de Oliveira) e MYCHELLY Eustáquia do CARMO.
Essa galera bota pra quebrar! Parabéns, parabéns, parabéns!!!
Em tempo: o fascículo 1 foi aprovado pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura.
Em tempo II: o Mingau informa aí no anexo que estão aprovados pela Lei Municipal os 3 primeiros fascículos. Tá corrigido, Mingau.
24 março, 2008
Mais FOOLTURO
Pra quem quer entender o foolturo:
A postagem abaixo é apenas uma clara demonstração de minha incompetência crítica diante de algo realmente novo. São apenas umas palavras soltas, coisas que vieram à flor da língua e dos dedos assim que li o livro FOOLTURO, de Márcio Almeida, publicado em Germina Literatura (http://www.germinaliteratura.com.br/) e que os leitores podem (e devem!) acessar e ler o quanto antes.
Já disse antes que minha admiração pelo Márcio Almeida vem de longa data. Ao ler os poemas de FOOLTURO fiquei simplesmente impressionado com o vigor que este poeta atingiu. Uma dicção própria, mas profundamente assentada sobre suas muitas leituras. Eu, particularmente (e com certeza ignorantemente também), vi “rastros” de Pound nos poemas de FOOLTURO. O Pound d’Os Cantos. Algo de poeta-inventor, pra usar a escala que o próprio Pound criou pra classificar poetas, embora eu particularmente não ache que poeta e poesia seja coisa a ser “medida”.
Mas acompanho as palavras de Sebastião Nunes na introdução do livro: “Nele, dois aspectos me chamaram especialmente a atenção: primeiro, a nenhuma influência detectável de qualquer poeta que eu conheça, talvez traços longínquos do Eliot de The Wast Land, especialmente pelas numerosas citações, ou ‘rastros’, como ele prefere; segundo, por ter sido capaz de criar uma autêntica cosmogonia, um bailado informacional e lingüístico amplo e diversificado, sem prejuízo de rigorosa construção poética. Em resumo: um verdadeiro poeta, no domínio pleno de sua capacidade criadora.” Eu não conheço bem Eliot. Por isso não posso corroborar às cegas essas palavras. Mas eu já li bastante Pound. E se pude perceber algum ‘traço longínquo’ em FOOLTURO foi d’Os Cantos.
Mas acho (eu não sou bobo de afirmar nada!) que todos os poetas são mesmo autores de um só texto e por isso todos estão sempre dizendo a mesma palavra. Não uma palavra que se repete à exaustão. Não: uma palavra que é o signo oculto em todas as línguas e cujo nome mais próximo em que consigo pensar é POESIA. Márcio Almeida demonstra ter – em FOOLTURO certamente, mas já antes noutros livros como Assassigno e Falúdica – alcançado o pleno domínio desse signo. Domínio que veio da maturidade aliada à luta constante e diária, à insistência em opor-se ao óbvio e ao fácil dos discursos disponíveis; que consiste em dar à palavra a forma dura e inquebrantável que se ergue como obstáculo diante da caretice neoliberal em que o mundo, burguês e feliz, mergulha; que devolve à palavra poética sua condição de “inutensílio”, de “pedra” no caminho e na boca de quem, desavisado, não mastiga bem as palavras antes de engolir.
Acho que em FOOLTURO está um dos melhores momentos poéticos que li nos últimos anos. É poesia condensada: ali estão Pound, Paz, Cabral, Calvino, Ávila, Drummond... todos os poetas. Porque todos sempre disseram a mesma coisa: só com poesia será possível. O que Márcio Almeida diz é o barulho da própria poesia.
Mas não tem que explicar nada. É ler o FOOLTURO. Vá direto à página: http://www.germinaliteratura.com.br/2008/booksonline_marcioalmeida1.htm e veja com seus próprios olhos.
sobre o FOOLTURO
EM QUE CANTO COLOCAR O FOOLTURO?
livro de márcio almeida (re)coloca questões fundamentais sobre o sentido da poesia num mundo autofágico
¿a poesia não é mais necessária a poesia já foi necessária já houve um dia poesia ou tudo não passa da mesma prosa o mesmo texto o discurso de todos a palavra de um somada à palavra de outros que somada à de outro e outros que como os galos de cabral tecem cantos de luz como os cantos de uma sala de uma esfera onde a humanidade doente expira?
como os cantos de um labirinto assim a poesia-prosa-canto de foolturo
porque não sei como fal(h)ar de tal texto senão como quem cita as mesmas frases ditas ao contrário como quem reedita textos impublicados ou rediz o inaudito uivo do que será alcatéia que nos cerca como palavras no centro de um silêncio como silêncios nos cantos de uma página como os brancos entre as linhas e os sentidos sequer pressentidos nas entrelinhas do que nunca se escreveu e uma poesia que não aceita outra crítica senão num texto que a cita e explicita o código o digo o dígito o agito de letras que se misturam em superfícies brancas letransbrancas intraduzíveis encantos de palavras de cantos impenetráveis e as palavras como as lesmas deixam rastros estelares como as letras as lesmas de tão lentos seus sentidos e as sementes lastros às resmas estatelares ruídos absurdos nos cantos das galáxias que nenhum hubble jamais verá mas que a poesia repete desde o antes desde o passado que virá desde o instante em as portas do futuro se abrirem desde o inferno e desde o fundo do vazio e o ruído é sempre o mesmo as palavras são as mesmas signos insignes vagalesmas cometeoros que virão e eram o mesmo corpo todos os planetas e estrelas e asteróides e poeiras cósmicas tudo um só corpo antes quando o ruído se fez e o big mac fiat lux: dura lux sed lux
¿como fal(h)ar de poesia se ela é dígito novo sempre o dna e suas combinações como os lances de dados as terceiras intenções das margens do rio que corta a minha via láctea aldeia menor que as cortadas por outros rios mas de onde vislumbro o universo e a poesia a íris dos olhos de uma ambígua atriz de círculos infernais a dor de dente e ouvido a dor de antes do olvido a dor de sempre e seu signo: a poesia que se persigne e fica com letras espelhadas espalhadas sobrespelhos?
e eis que seu nome não será mais poesia mas canto mas conto narrativa mítica já prevista e reescrita nas linhas da humana palma desde sempre desde a mais remota ancestralidade que ainda nascerá quando não formos mais ecce omo imagens perdidas no espaço branco das pláginas onde copiamos e nos copiamos e deixamos rastros
não sei fal(h)ar de outra maneira do barrocosmo do (re)canto poundiano em que nunes vê elliot e outros não vêem ou não tecem ou não entretecem ou sim ou não a poesia é a terceira face da moeda clara ou coroa, nós a devoraremos
impunes é que não sairemos daqui
o foolturo de márcio almeida é diálogo rastro sulco rástrico de um textocanto poundiano que expurga as usuras do facilismo – fascismo do fácil – neoliberal do discurso pub(l)icitário para otários que se calam e se encolhem e é chute certeiro no saco paquidérmico do discurso insosso dos poetas bacaninhas das grandes e pequenas províncias
BARROCOSMO/CANTO: o poeta habita todos os signos que são as mesmas palavras reditas desde sempre em outros planetas (por onde passam também afinal todos os mesmos ruídos que inouvimos) de outras galáxias de outros sistemas onde qualquer coisa como gente escreverá coisas como poesia e viverá sob coisas como tabuletas
pois sempre haverá poemas e tabuletas
em sua tabuleta, márcio almeida inscreve: “aqui, lê-se o foolturo”
04 março, 2008
"E POIS COM A NAU NO MAR..." (1)
O grande barato literário de Divinópolis atualmente é o BARKAÇA, um suplemento literário que revela o melhor rosto da poesia & cia. das novas gerações. Uma idéia simples e objetiva: divulgar poesia não necessita de malabarismos intelectuais & rodeios teóricos & cortes epistemológicos & “segundo Fulanô di Beltrã...”. Enfim: poesia é isso aí: palavras no papel. É tinta, sangue e papel. Claro, com uma boa dose de senso crítico, de dicção poética, de vontade de chutar a escrotal sacola do MESMO – esse colossal e lento paquiderme preguiçosamente estacionado, atravancando a entrada. Ou será a saída?
O certo é que BARKAÇA reuniu duas pontas desse emaranhado novelo que é a divulgação de literatura em Divinópolis: numa ponta, o incansável, persistente, sagaz e sempre atualizado CARLOS ANTÔNIO LOPES CORRÊA, estradeiro antigo, um cara para o qual a cidade deveria tirar o chapéu todos os dias; na outra, as novas caras, os caras novos: Luís Antônio Teixeira de Oliveira (quem?!?!?!?!?!?!?!), mais e melhor conhecido como MINGAU – essência, sustança e caldo grosso da melhor poesia da nossa terrinha hoje – e diOli, civilmente chamado David Willian, que dá o toque certo nas intervenções visuais, mistura poesia e imagem (o nome dele já diz isso: de olho em tudo, nos detalhes). E a turma que já está na BARKAÇA desde os Cadernos de Gaia, madeira na qual se talhou a nave atual: Michelly Eustáquia (prestem atenção nessa garota!), Tumati, Cochise César (outro que veio pra ficar, o cara é muito bom!!!), Karol Penido & outros que já pisaram este convés.
Do primeiro BARKAÇA, dedicado às relações intertextuais, às releituras paródicas e parafrásicas, pinço dois textos:
Poema de 3 faces só
Mingau
Que importa o conhaque?
A lua não é mais nem dos lobisomens
Quando nasci nenhum anjo olhou pro meu lado
pra dizer como eu seria
Agora é que você me aparece, anjo danado/
Vai catá coquinho na Bahia!
Eu já me virei sozinho
Carlos, Carlos
Vasto Carlos...
se te chamasses Raimundo
aí não tinha mesmo solução!
Soneto da ressonância
Lopes
palavra-quase-palavra não é palavra
palavra não é palavra-quase-palavra
palavra-quase-palavra não é palavra
palavra não é palavra-quase-palavra
palavra-palavra quase não é palavra
palavra quase não é palavra-palavra
palavra-palavra quase não é palavra
palavra quase não é palavra-palavra
palavra-quase-palavra não é palavra
palavra quase não é palavra-palavra
palavra-quase-palavra não é palavra
palavra não é palavra-quase-palavra
palavra-palavra quase não é palavra
palavra não é palavra-quase-palavra
Neste número merece destaque também o SONETO PSICOATIVO, de diOli. Trata-se de um soneto visual (alô, moçada, manda uma cópia pra eu divulgar aqui!!!) super bem sacado, composto de 14 cápsulas de comprimidos dispostas na ordem clássica de um soneto à italiana. Um barato.
Já no BARKAÇA 2, o melhor de tudo é a historinha da capa. Muito bem sacada. Não sei se vai dar pra ler, mas as duas capas estão reproduzidas aí embaixo.
Força no remo, moçada. Vida longa ao BARKAÇA!
(1) “E, pois, com a nau no mar...” é o primeiro verso de Os Cantos, de Ezra Pound. Eu, juvenal (bernardes) copiei o Pound, que confessa ter copiado o Andreas Divus, que por sua vez, copiou o Homero, que copiou...
23 fevereiro, 2008
RENCONTRO COM MÁRCIO ALMEIDA
No fim dos anos 1980 mantive uma interessante correspondência com o poeta Márcio Almeida. Entusiasta de agitações culturais e de escritores emergentes, Márcio me “adotou” como um de seus pupilos. Presenteou-me com livros (seus e de outros importantes nomes do cenário literário), colocou-me em contato com vários escritores, comentou poemas, criticando excessos e orientando caminhos. Abriu minha cabeça (ou pouco que alguém conseguiria).
E em 1988 acabei vencendo um concurso literário com um poema. Com isso, fui até BH conhecer pessoalmente o poeta e entrevistá-lo para o jornal A Semana. Na verdade, durante a ótima entrevista, fui apenas um tímido figurante. Quem de fato fez a entrevista foi o Cuca, o meu grande amigo Otávio Paiva. Eu, apesar de não ser um jovenzinho, era inocente como uma virgem criada em mosteiro medieval. Não entendia quase nada de história da literatura, menos ainda de teoria literária. E olha que eu já havia feito pelo menos uns dois período de um curso de Letras. Acho até que era por isso mesmo que eu não sabia nada sobre essas coisas.
Naquela ocasião, Márcio nos serviu um delicioso peixe.O que mais me impressionou na visita feita à casa do poeta foi ver que um escritor, um poeta era, afinal, um ser humano completamente igual aos outros. A imagem de alguém que vivia num mundo à parte, afastado do cotidiano, desapareceu. Durante o delicioso almoço, conversamos sobre banalidades, sobre as coisas mais simples da vida.
Encontrei o Márcio várias vezes naqueles anos, aqui em Divinópolis, na sua Oliveira e noutros eventos e encontros de poetas que ele sempre promovia ou para os quais era convidado. Foi uma época especial para mim.
Depois, por diversos motivos pessoais, acabei perdendo o contato com esse amigo. E fiquei anos somente “ouvindo falar” ou falando dele. Encontrava seu nome em diversos textos, poemas seus em revistas e publicações literárias, enfim: Márcio Almeida não perdia o pique e sempre mantinha a chama acesa. E esses verbos aí no passado estão errados: Márcio Almeida não PERDE o pique e sempre MANTÉM a chama acesa.
Outro dia chego em casa e ouço sua voz na secretária eletrônica. Me “intimava” a reaparecer e me “obrigava” a entrar em contato. Demorou um pouco (eu sou sempre muito lento, muito preguiçoso), mas consegui encontrá-lo em Cronópios. E trocamos alguns emails.
Pra quem não conhece a verve verbal desse “assassigno”, aí vão alguns textos de Márcio Almeida, este “assassigno” do poesismo sentimentalóide:
SOLO
É COMO SE O POEMA
TE EXIGISSE SER CRUEL,
COMO SE CRU E EM CENA
FOSSE SÓ TEU O PAPEL
VISCERAL, PLENO E HIENA,
ÚNICO, CLARO, FEL,
CULPADO PELA PENA
A DECIFRAR BABEL.
COMO CERTO DE NADA
DISPENSASSE O POEMA
TODA EUSCRITA-SALADA
DE TUAS LOAS E SEMAS.
TE OBRIGASSE A RUPTURA,
SURPREENDER A EMOÇÃO,
COMO A POESIA PURA
TE USASSE DE SABÃO.
COMO O POEMA-BOX
DESSE LIÇÃO SEM LOURO:
TODA IDÉIA É XEROX
A MAIS NOVA, NO SORO.
COMO, E COMO! O POEMA
NEM TE FIZESSE EXISTIR
REAUTOR DE REFALENAS
E UTOPÍAS SEM PORVIR,
TEORIAS QUE TRANSLUSTRAM
TEU ESPELHO SEM POLIR,
QUE ADJETIVOS NÃO FRUSTRAM,
SIMPLESMENTE, TE EXCLUIR.
COMO SE CADA POEMA
PREGASSE NÃO POETAR,
TE RECUASSE A SENHA
DA TUA ILUSÃO E CANTAR.
E TE CORTASSE A LÍNGUA,
MOSTRASSE O DEJÁ DITO
COM RIMA RICA E À MÍNGUA,
PÉS DE VINHO OU MALDITOS.
COMO TODO POEMA
A REPETIR AO POVO:
CADA VEZ TUA PRENHA
TORNA MAIS CHOCO O OVO.
COMO CANTO SEM EGO
L’ASCHIATE O VÃO DO INFERNO,
TE AFIRMASSE MAIS CEGO
COM TEU VENENO TERNO.
COMO SE AO PRÓPRIO BEM
POETA FOSSE ASSASSIGNO
DE FALAS E SEUS REFÉNS,
E, EM SILÊNCIO, MAIS DIGNO.
CAVALGADO
No campo semântico
um prefixo eqüino
pasta
com seu sufixo bovino
VERBETE
O homem é o único que desaprende lições de rugas,
o único que tem arsenais de morte contra sua espécie,
o único que depreda, saqueia, estupra e morre em fuga,
o único que troca o homem por máquinas, e se estarrece.
O homem é o seu absurdo, sua facção de pânico e medo,
sua própria falência universal, seu azar de berço,
mais é muito mais forte que o temor de um segredo,
muito mais insumo que só a fé que ara um terço.
É sua própria confusão, seu vender-se ou alugar-se,
sua cotação em baixa, baixo astral, supimpas fossas.
O homem é coisa danada que não vai vingar se
rejeitar por futurias inconhas de sua mão e roça.
O homem é o seu emprego, sua fome criminosa e cheque,
pretexto e conveniência, o homem é falsa previsão.
Ele somos o que, quando sonha, faz jogar de beque
a catimbar o quanto pode pra não parar o coração.
Um grande abraço, Márcio. Evoé, Almeida!
21 fevereiro, 2008
ARIANO E SUA PEDRA

O livro de Ariano Suassuna é uma grande empreitada literária que consumiu doze anos de trabalho do mestre paraibano. Conheci o livro nos anos 1990, mas só agora (2007) pude lê-lo. Vejo muitas qualidades na obra, mas vejo também algumas falhas.
No exemplar que tenho (é novo, lançado no embalo da minisérie), há um comentário de Hermilo Borba Filho que o compara à Divina Comédia. Achei muito, mas muuuuuuuuito exagerado. O comentário de Carlos Lacerda é mais apropriado: Dom Quixote. Afinal, Diniz Quaderna é um personagem quixotesco. E macunaímico também.
O que mais admirei no livro foi a maneira lúdica (de brincadeira mesmo) com que o autor deu tratamento aos gêneros. Misturou a narrativa tradicional às narrativas populares nordestinas com ênfase para estas. Citou à vontade, copiou tudo quanto pôde (seguindo as lições de Mário de Andrade em sua grande rapsódia) com a liberdade máxima a que se permitiu, viajou e inventou, pintou e bordou. Adorei as ilustrações inseridas ao longo do livro – enriquecem e selam definitivamente o parentesco da narrativa com a tradição do cordel, tão cara ao livro. O resultado é a riqueza do universo popular que aflora a cada página do livro em seu estado mais puro.
E o modo como o humor (popular e escrachado, debochado e desbocado, sutil e irônico...) aparece ao longo da narrativa é realmente um dos pontos altos do livro. Acho o Quaderna um personagem muito bem inventado e, igualmente, muito bem trabalho. Mas...
Mas...
O livro é enfadonho. Ou fica enfadonho. A partir do momento em que Quaderna entra para a sala onde será inquirido pelo Corregedor Joaquim Cabeça-de-Porco (não exatamente "a partir do momento", mas em algum lugar dessa interminável cena), a narrativa se torna enfadonha, cansativa, labiríntica (no mau sentido de sem saída). O inquérito se estende por um tempo interminável, não há uma explicação clara de determinados detalhes, alguns pontos são repetidos à exaustão, há parágrafos-tijolos (a mim assim parecem) completamente dispensáveis para o todo da obra, há incoerências (como pode o relato de Quaderna ser tão detalhado se ele não "presenciou" todos os fatos que relata ao Corregedor - embora o autor coloque na boca do personagem palavras que tentam [mas não conseguem] justificar o modo como Quaderna tomara conhecimento de determinados fatos) geradas pelo foco narrativo adotado por Suassuna, uma primeira pessoa onisciente... Enfim: do meio para o desfecho, achei o livro mal resolvido.
Podem parecer, esses apontamentos, meio superficiais demais, meio empíricos demais. Não gostaria de aprofundar num debate "intelectual", com aqueles "cortes epistemológicos" e repletos de "segundo Bakhtin". É apenas o parecer de um leitor de cama e banheiro.
O começo do Romance da Pedra do Reino é muito bom, num ritmo fantástico. Diniz e sua imodesta narrativa de sua vida lembrou-me o Ponciano de Azeredo Furtado de O Coronel e o Lobisomem. Mas depois o livro se tornou chato e enfadonho. Sei lá, daqui alguns anos talvez o leia novamente e tenha outra impressão. Mas por agora, ele vai ficar de castigo na estante.
Os que se interessarem por ler todo o “debate”, o link é http://www.idelberavelar.com/archives/2008/02/clube_de_leituras_o_romance_da_pedra_do_reino.php . Há coisas muito boas.
09 fevereiro, 2008
PORQUE HOJE É SÁBADO.

E por ser sábado, me lembrei de um poema de Vinícius. É um dos textos de que eu mais gostava quando era adolescente. Imitei-o em muitos poemas que escrevi quando tinha meus vinte anos. Hoje, sábado de sol, lembrei-me dele. Deu saudades do Poetinha. Ou terá sido dos meus vintes anos?
O DIA DA CRIAÇÃO
(Vinícius de Moraes)
Macho e fêmea os criou.
Gênese, 1, 27
I
Hoje é sábado, amanhã é domingo
A vida vem em ondas, como o mar
Os bondes andam em cima dos trilhos
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na cruz para nos salvar.
Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.
Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado.
Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas
Porque hoje é sábado.
II
Neste momento há um casamento
Porque hoje é sábado
Hoje há um divórcio e um violamento
Porque hoje é sábado
Há um rico que se mata
Porque hoje é sábado
Há um incesto e uma regata
Porque hoje é sábado
Há um espetáculo de gala
Porque hoje é sábado
Há uma mulher que apanha e cala
Porque hoje é sábado
Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado
Há uma profunda discordância
Porque hoje é sábado
Há um sedutor que tomba morto
Porque hoje é sábado
Há um grande espírito-de-porco
Porque hoje é sábado
Há uma mulher que vira homem
Porque hoje é sábado
Há criançinhas que não comem
Porque hoje é sábado
Há um piquenique de políticos
Porque hoje é sábado
Há um grande acréscimo de sífilis
Porque hoje é sábado
Há um ariano e uma mulata
Porque hoje é sábado
Há uma tensão inusitada
Porque hoje é sábado
Há adolescências seminuas
Porque hoje é sábado
Há um vampiro pelas ruas
Porque hoje é sábado
Há um grande aumento no consumo
Porque hoje é sábado
Há um noivo louco de ciúmes
Porque hoje é sábado
Há um garden-party na cadeia
Porque hoje é sábado
Há uma impassível lua cheia
Porque hoje é sábado
Há damas de todas as classes
Porque hoje é sábado
Umas difíceis, outras fáceis
Porque hoje é sábado
Há um beber e um dar sem conta
Porque hoje é sábado
Há uma infeliz que vai de tonta
Porque hoje é sábado
Há um padre passeando à paisana
Porque hoje é sábado
Há um frenesi de dar banana
Porque hoje é sábado
Há a sensação angustiante
Porque hoje é sábado
De uma mulher dentro de um homem
Porque hoje é sábado
Há uma comemoração fantástica
Porque hoje é sábado
Da primeira cirurgia plástica
Porque hoje é sábado
E dando os trâmites por findos
Porque hoje é sábado
Há a perspectiva do domingo
Porque hoje é sábado
III
Por todas essas razões deverias ter sido riscado do Livro das Origens,
ó Sexto Dia da Criação.
De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevas
E depois, da separação das águas, e depois, da fecundação da terra
E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra
Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado.
Na verdade, o homem não era necessário
Nem tu, mulher, ser vegetal, dona do abismo, que queres como
as plantas, imovelmente e nunca saciada
Tu que carregas no meio de ti o vórtice supremo da paixão.
Mal procedeu o Senhor em não descansar durante os dois últimos dias
Trinta séculos lutou a humanidade pela semana inglesa
Descansasse o Senhor e simplesmente não existiríamos
Seríamos talvez pólos infinitamente pequenos de partículas cósmicas
em queda invisível na terra.
Não viveríamos da degola dos animais e da asfixia dos peixes
Não seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia
Não sofreríamos males de amor nem desejaríamos a mulher do próximo
Não teríamos escola, serviço militar, casamento civil, imposto sobre a renda e missa de sétimo dia.
Seria a indizível beleza e harmonia do plano verde das terras e das águas em núpcias
A paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio
A pureza maior do instinto dos peixes, das aves e dos animais em [cópula.
Ao revés, precisamos ser lógicos, freqüentemente dogmáticos
Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas
Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade e até praticar amor sem vontade
Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia e [sim no Sétimo
E para não ficar com as vastas mãos abanando
Resolveu fazer o homem à sua imagem e semelhança
Possivelmente, isto é, muito provavelmente
Porque era sábado.

Saravá, Vinícius de Moraes, o preto mais branco do Brasil, sábado interminável de nossa poesia.